Os Gnawas do Marrocos: cosmogonias, memórias e dinâmicas identitárias
A comunidade gnawa incarne no Marrocos, a população considerada como “negra” e descendente de escravizados originários do Sudão histórico, isso, mesmo se todos os negros marroquinos não são gnawas e se todos os gnawas não são negros. Historicamente, o sul do Marrocos situa-se num espaço geográfico caracterizado por uma interface e uma conexão entre os mundos arabo-berberes (amazigh) e sudaneses, em particular saarianos, que se consolidaram a partir de movimentos de natureza religiosa (difusão do islã, desde a gesta dos almorávidas (Xe séc.) e mesmo depois) e comerciais (rotas tradicionais do comercio do ouro, do sal, das caravanas transaarianas mas também rotas utilizadas, desde o começo da expansão islâmica, pelo tráfico oriental de escravizados). Para EL HAMEL: “The Almoravids were the first ruling dynasty in Morocco to use a large number of black slaves in the army during the Islamic era, in the eleventh century” Nesse sentido, as condições que prevaleceram na emergência dessa comunidade, podem ser estendidas à outras regiões , os gnawas, mesmo se com denominações diferentes, estando presentes também na Argélia, Tunísia, Líbia… No que interessa esse estudo, a analise se concentrará nos gnawas do sul do Marrocos que, enquanto descendentes de escravizados sudaneses depositários de uma cultura, memoria e cosmogonia próprias, serão abordados numa perspectiva comparativa “Sul-Sul”, com aportes teórico-metodológicos da História Atlântica (Scott & Hébrard, 2014) e mesmo da Global History (MANNING, 2003), com os descendentes afro-brasileiros e as religiões afro-brasileiras (Candomblé e Umbanda). De fato, depois de observações preliminares aparecem elementos interessantes de comparação do ponto de vista da religião e dos rituais, em foco no estudo, como: a transa de possessão; o papel central das mulheres nos rituais (Ialorixá); a natureza das diferentes “famílias de entidades”; o papel social dos rituais; a existência de “valores” ligadas ao espaço do religioso, constitutivas do que poderia ser chamado de dinâmicas identitárias gnawas e afro-brasileiras. Em particular, o interesse volta-se, num contexto comum de populações negras descendentes de escravizados, para uma apreensão comparativa dos termos da manutenção das referências e símbolos religiosos nas dinâmicas e discursos identitários “negros”.
Coodernador: Franck Pierre Gilbert Ribard